Campanhas contra o assédio sexual empoderam mulheres no Carnaval
Não é Não, Respeita as Mina e mais… Conheça ações que já estão movimentando as ruas e veja como denunciar essa violência
Se você gosta de Carnaval, é bem capaz de já estar pensando nas fantasias ou de ter redobrado o estoque de glitter para curtir a folia. Mas, se você é mulher, há também outra preocupação: o assédio sexual, recorrente nas festas populares. Pensando nisso, mulheres estão se movimentando e fazendo com que campanhas contra esse tipo de violência ganhem ainda mais força no Carnaval de Salvador.
Além de lutar contra o assédio, promover a igualdade de gênero, empoderar e unir as mulheres, ações como a Não é Não e a Respeita as Mina já estão nas ruas. E, é claro, nos corpos e discursos femininos. A potência dessas campanhas vai muito além do aumento de denúncias de violência contra mulheres entre 2017 e 2018: elas são fortes aliadas quando o assunto é bem-estar.
Ao criarem vínculos umas com as outras e terem acesso à discursos feministas propagados através das ações, muitas mulheres relatam que sentem um aumento da confiança e um maior conforto andando pelas ruas, como foi o caso da produtora cultural Larissa Novais, 25 anos. “Cada vez uso roupas mais curtas porque agora sei dos meus direitos e sei que não é minha culpa. Estou mais fortalecida para lutar contra isso. Acredito que, com as campanhas, as mulheres ficam cada vez mais confortáveis”, afirma ela, que criou vários mecanismos para se proteger.
Após estudar sobre o tema, criou um projeto próprio, o Tô Na Rua, Mas Não Sou Sua – levando as vozes de mulheres assediadas nas ruas para o Campo Grande. “O feminismo salva vidas. Antes de entender o que era assédio, eu não tinha forças para lutar. Andar na rua e o cara me chamar de ‘gostosa’ me incomodava muito, mas achava que eu era a errada. Mas quando você entende que é assédio, que não pode ser tolerado, e conhece meninas que lutam contra isso diariamente e não se acomodam, você acaba criando essa rede e ganhando forças para lutar”, completa.
Ano passado, por exemplo, Larissa distribuiu tatuagens provisórias da campanha nacional Não é Não nos carnavais das capitais baiana e carioca. Neste ano, ela deve repetir a dobradinha.
“No Carnaval, há muitos relatos de assédio e podemos dialogar não só com mulheres, mas com homens. Essa é uma oportunidade de se aproximar de pessoas que são ativas dentro do feminismo e de disseminar nossos direitos. O projeto é muito poderoso por sua capacidade de chegar a mais gente e de ter mais mulheres sendo protagonistas”, ressalta.
Diferente do que percebeu no Rio, Larissa comenta que, por aqui, as mulheres ainda não sabem diferenciar paquera de assédio. “Isso só reforça a importância de continuar com as campanhas em Salvador, cidade com alto índice de violência – por aqui, uma mulher é agredida a cada 56 minutos. O machismo é tão estrutural que somos educadas a achar que um ‘gostosa’ na rua é elogio, mas é assédio”, pontua. Ela lembra que assédio é qualquer comportamento indesejado praticado com reiteração e que afeta a dignidade da pessoa ou criar um ambiente hostil.
Na capital baiana – onde uma mulher é agredida a cada 56 minutos – já está certa a distribuição de 5 mil tatuagens, que foram viabilizadas por um financiamento coletivo. Até agora são três pontos de distribuição: as lojas Miranda Studio e The Finds, no Rio Vermelho, e Coreto Store e Ateliê Feverê, no Shopping Bela Vista. A campanha continua arrecadando fundos até dia 15 no site benfeitoria.com/naoenaoba. “É lindo ver esse movimento crescer em Salvador. Espero a gente consiga ter mais tatuagens. Chegando a mais pessoas, vamos descontruindo padrões e lutando, aos poucos, contra o assédio”, diz Larissa.
A coordenadora local da Não é Não, Gabriela Guimarães, ressalta que a campanha busca justamente criar uma rede de proteção entre as mulheres no espaço público, mas que hoje enxergam outros benefícios: “Além de nos reconhecermos e mostrar que decidimos sobre os nossos corpos, ainda há reflexos nas questões de autoestima e de segurança na rua”.
Para a antropóloga Luana Nascimento, 30, essas campanhas são importantes tanto do ponto de vista da conscientização quanto para o bem-estar.
“Com elas, as mulheres conquistam mais respeito em relação aos seus próprios corpos. É nosso direito poder dizer ‘não’ quando não queremos, sem sofrer abuso e assédio. Essas campanhas contribuem para nos sentir à vontade pra andar na rua, curtir festas e fazer o que quisermos sem sermos desrespeitadas”, destaca.
Seja nas redes sociais ou através de manifestações nas ruas – usando adesivos e tatuagens temporárias -, Luana sempre participa de ações diversas contra o assédio e considera que, apesar dos avanços dos últimos anos, o machismo ainda se faz presente muito forte e os corpos das mulheres ainda são vistos como propriedade masculina. “Isso acaba culminando nos diversos tipos de assédio, sobretudo nas grandes festas, como no Carnaval. As mulheres não conseguem curtir sem passar por alguma forma de constrangimento e assédio”, lamenta.
Outra campanha que realiza diversas ações pela cidade desde 2017 em Salvador é o Respeita as Mina, de enfrentamento à violência contra as mulheres. Iniciativa do Governo do Estado, por meio da Secretaria de Políticas para as Mulheres do Estado da Bahia (SPM-BA), a campanha distribuirá panfletos e adesivos em blocos e em pontos específicos da cidade e trará novamente um trio sem cordas – que ainda não tem atrações confirmadas – na sexta-feira de Carnaval. “Estamos fechando as cantoras e o tema da campanha publicitária. Queremos mostrar é que tudo depois do ‘não’ é assédio”, explica a médica Julieta Palmeira, titular da pasta.
Seguindo as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), a secretária considera que o assédio sexual é uma questão de saúde pública “que afeta a vida das mulheres, quando não nos tira a vida”.
“Campanhas como a nossa sensibilizam a população, mas sentimos que as mulheres passam a ter também uma transformação individual. Qualquer violência contra mulher afeta sua qualidade de vida. Quando as mulheres são protagonistas dos seus próprios corpos, isso lhes traz mais bem-estar”, afirma a médica.
Outras iniciativas para conhecer
Folia com respeito
A campanha #foliacomrespeito foi pensada e construída no Distrito Federal para tentar reverter o crescente avanço da violência e assédio durante os dias de folia. Com bom humor e preocupada com a representatividade de diferentes grupos, a campanha é montada pensando tanto na conscientização em relação ao respeito às outras pessoas, como em atitudes baseadas no cuidado e na solidariedade.
Com Super Heroínas carnavalescas, a ideia é empoderar o público-alvo da campanha, mostrando que bom mesmo é se divertir respeitando a diversão alheia e, quando surge alguma situação contrária a isso, que se tomem atitudes positivas para melhorar o cenário.
Think Olga
A Olga é uma ONG feminista criada em 2013, com o objetivo de empoderar mulheres por meio da informação. O projeto é um hub de conteúdo que aborda temas importantes para o público feminino de forma acessível. A ONG criou, em julho 2013, a campanha Chega de Fiu Fiu, que combate ao assédio sexual em espaços públicos. Inicialmente, foram publicadas ilustrações com mensagens de repúdio a esse tipo de violência. As imagens foram compartilhadas por milhares de pessoas nas redes sociais, gerando uma resposta tão positiva que acabou sendo o início de um grande movimento social contra o assédio em locais públicos.
Women Friendly
Startup social certifica e oferece treinamentos a empresas comprometidas em combater o assédio sexual em seus estabelecimentos.
Saiba como agir em caso de assédio sexual
O que é assédio sexual?
Andar pelas ruas e ouvir um comentário obsceno sobre o seu corpo é um elogio? Ouvir uma cantada no ambiente de trabalho é algo natural? Ser “encoxada” no transporte público faz mesmo parte da rotina das grandes cidades? A resposta para todas essas perguntas é NÃO. Tudo isso é assédio sexual.
O assédio sexual é uma manifestação sensual ou sexual, alheia à vontade da pessoa a quem se dirige. Ou seja, abordagens grosseiras, ofensas e propostas inadequadas que constrangem, humilham, amedrontam. É essencial que qualquer investida sexual tenha o consentimento da outra parte, o que não acontece quando uma mulher leva uma cantada ofensiva.
Porque devemos denunciar o assédio?
Dizer não ao assédio é não aceitar mais que mulheres sejam vistas como objetos sexuais passivos ou como vítimas frágeis do poder dos homens. Dizer não ao assédio é afirmar que as mulheres podem e devem ter controle sobre a própria sexualidade. É mostrar que podemos igualar a voz e o poder da mulher na sociedade, é não submeter as mulheres aos papéis sociais tradicionais.
As consequências
O assédio sexual tem causado impactos sérios e negativos na saúde física e emocional das mulheres. Entre os efeitos negativos relatados pelas vítimas, os mais citados são: ansiedade, depressão, perda ou ganho de peso, dores de cabeça, estresse e distúrbios do sono. Além disso, muitas delas podam sua própria liberdade e seu direito de escolha – deixando de usar uma roupa ou de cruzar uma praça, por exemplo – por medo de sofrer tais abordagens.
A raiz do problema
O que está por trás do assédio não é uma vontade de fazer um elogio. Na verdade, esse comportamento é principalmente uma tentativa de demonstrar poder e intimidar a mulher. E pode acontecer com qualquer tipo de mulher, independente da roupa que ela usa, do local onde ela está, da sua aparência física ou do seu comportamento. Ou seja, a culpa e a responsabilidade pelo assédio é sempre do assediador.
Assédio sexual X paquera
As cantadas ou os assédios físicos não são uma forma de conhecer pessoas para um relacionamento íntimo. Uma paquera acontece com consentimento de ambas as partes: é uma tentativa legítima de criar uma conexão com alguém que você conhece e estima. Por outro lado, o assédio nunca leva a uma intimidade maior.
O sujeito que grita para uma mulher na rua de dentro do seu carro jamais quer ouvir a opinião da outra parte. Ele quer apenas se impor sobre ela. Quem confunde assédio sexual com paquera quer, na verdade, causar confusão justamente para poder continuar a fazer o que quiser sem dor na consciência. Paquera não causa medo e nem angústia. O mais importante é buscar o consentimento e aceitar “não” como resposta.
As roupas das mulheres
É errado achar que uma peça de roupa seja um sinal verde para qualquer tipo de violência sexual, inclusive a verbal. Todos têm o direito de sair de casa da maneira como preferirem, no horário que desejarem e para onde quiserem, sem temer qualquer tipo de abordagem grosseira.
Casas noturnas
Normalmente, as pessoas acreditam que, em casas noturnas, onde o ambiente é mais descontra- ído, é aceitável assediar as mulheres. Essa ideia precisa mudar. O consentimento deve ser dado de livre e espontânea vontade, antes do ato sexual. É importante lembrarmos que o consentimento não é a ausência de “não” ou o silêncio.
O assédio sexual, segundo a lei
O assédio sexual pode ser configurado como crime, de acordo com o comportamento do assediador. Vejamos:
Assédio sexual: O assédio caracteriza-se por constrangimentos e ameaças com a finalidade de obter favores sexuais feita por alguém de posição superior à vítima. (conforme Art. 216-A.do Código Penal)
Importunação ofensiva ao pudor: é o assédio verbal, quando alguém diz coisas desagradáveis e/ou invasivas (as famosas “cantadas”) ou faz ameaças. Tais condutas também são formas de agressão e devem ser coibidas e denunciadas. (Conforme Art. 61 da Lei nº 3688/1941)
Estupro: tocar as partes íntimas de alguém sem consentimento também pode ser enquadrado como estupro, dentre outros comportamentos. (Conforme Art. 213 do Código Penal: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso)
Ato obsceno: é quando alguém pratica uma ação de cunho sexual (como por exemplo, exibe seus genitais) em local público, a fim de constranger ou ameaçar alguém. (Conforme Art. 233 do Código Penal)
O que uma mulher deve fazer quando recebe uma cantada?
Não há um protocolo para essa situação – mesmo porque muitas mulheres afirmam ter medo de sofrer violências piores ao reagir negativamente a uma abordagem.
Denúncias formais
Agir imediatamente em locais públicos:
A vítima de assédio sexual poderá denunciar o ofensor imediatamente, procurando um policial militar mais próximo ou segurança do local, caso esteja em um ambiente privado ou transporte público (exemplo: praças, faculdades, eventos, metrô). A vítima deve identificar o assediador, gravando suas características físicas e trajes, ou até mesmo tirando uma foto deste, que em casos recorrentes, poderá auxiliar as autoridades na identificação do sujeito.
Fonte: Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, Think OLGA (Juliana de Faria, Luíse Bello e Gisele Truzzi), Think EVA (Juliana de Faria e Maíra Liguori
Fonte: A Tarde