Queda do uso de dinheiro torna celulares foco dos bandidos
Com o crescente uso de cartões de crédito e débito e do bilhete eletrônico nos ônibus, além da consequente diminuição da utilização de dinheiro em espécie, o celular tornou-se o principal alvo de bandidos nos assaltos a coletivos em Salvador.
Segundo dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA), nos primeiros seis meses de 2015, foram registradas 1.309 ocorrências em ônibus da capital baiana, média de sete roubos diários [leia mais abaixo].
Pesquisa recente realizada pela corretora Bem Mais Seguro apontou que o transporte público é onde mais se roubam aparelhos no Brasil, com 31% dos casos. Segundo a corretora, o número de seguros para celulares, em Salvador, aumentou 130% entre dezembro de 2014 e o mês passado.
No entanto, a prática criminosa não se restringe ao transporte coletivo e tem sido realizada também em espaços como praças, pontos de ônibus, bares e restaurantes.
O auxiliar de almoxarifado Ouza Costa, 35, comprovou isso na prática. Na última quarta-feira, por volta das 18h, ele saía do trabalho, na Baixa do Fiscal, caminhando em direção ao ponto de ônibus, quando foi abordado por dois bandidos.
“Eram menores de idade. Um me abordou, eu reagi, mas o outro estava armado. Levaram meu celular e um equipamento da empresa de R$ 9 mil”, conta. Ele relatou que o primeiro objeto solicitado pelos dois foi o celular. “Custou R$ 990, e eu ainda nem terminei de pagar. Tive que tomar calmante”, revelou ele, após fazer o Boletim de Ocorrência (BO) na Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos (DRFR).
Já o gerente de vendas Andresso Alves, 26, após ter dois aparelhos roubados em coletivos, decidiu fazer um seguro. “Fico mais tranquilo para sair na rua”, confessa.
Ocorrência
A delegada Francineide Moura, titular da DRFR, ressalta ser fundamental o registro da ocorrência, que pode ser feita pelo site da Polícia Civil ou em uma delegacia. Além de ajudar a polícia no mapeamento criminal, o BO é também uma forma de evitar problemas futuros.
Ela conta que há casos em que os bandidos utilizam os aparelhos roubados para cometer outros crimes. Daí a importância de registrar a ocorrência. O especialista em segurança pública e privada Jorge Lordello orienta que as pessoas evitem o uso dos equipamentos em locais com grande circulação de pessoas, no ônibus e em automóveis.
“Ao entrevistar bandidos em cadeias, ouvi diversas vezes: ‘O que não vejo, não tenho como desejar'”, ressalta o especialista [confira mais dicas acima].
Mesmo com as orientações, é comum ver pessoas descuidadas com o aparelho. Na Estação da Lapa, o motorista aposentado Antônio Jorge da Silva, 54, mexia, distraído, no celular.
Ao ser questionado se não sentia medo, ele foi enfático: “nem um pouco. Nunca fui assaltado”, diz. No entanto, relatou que o ônibus que conduzia, da linha Engomadeira-Lapa, foi assaltado cinco vezes. “Roubaram todos os passageiros, mas nunca levaram meu celular”.
O problema de roubo de celulares é antigo, mesmo antes dos modernos smartphones. A administradora Juliana Alonso, 35, teve o aparelho levado por ladrões, em 2006 e em 2009. Na segunda, ela conseguiu recuperar o equipamento.
“Um mês depois, uma pessoa ligou para uma amiga minha, dizendo que tinha achado um celular. Fiquei com medo de ir pegar, mas fui e deu tudo certo, era o meu aparelho. Provavelmente ele deixou cair em algum lugar”, conta.
Bandidos usam aparelho para pagar dívida com o tráfico
A delegada Francineide Moura conta que os aparelhos são usados pelos bandidos como moeda de troca. “Na maioria das vezes, são usados para pagar dívidas com o tráfico. Então, ele vende para ter o dinheiro ou entrega o celular como pagamento”, revela.
O delegado José Neris Araújo, do Grupo Especial de Repressão a Roubos em Coletivos (Gerrc), explica que, justamente por conta do reforço no combate aos crimes nos ônibus, os bandidos estão migrando para outros espaços. Segundo ele, diversas prisões de assaltantes de ônibus têm sido realizadas.
Na última semana, por exemplo, um casal de ladrões e cinco receptadores foram presos durante uma operação. “Quase todas as vezes que pegamos uma pessoa que roubou, pegamos também receptadores. Há um mercado paralelo muito forte”, afirma.
Segundo ele, há uma parcela de culpa da sociedade, que alimenta o mercado. A compra de um aparelho fruto de roubo pode ser caracterizado como receptação. “O indivíduo que se submete a isso pode responder a crime, com pena de reclusão de 1 a 4 anos, só para ter um celular melhor”, enfatiza.
Mesmo com a migração, ele afirma que a polícia tem trabalhado no sentido de coibir esta prática. Daí a importância do registro da ocorrência. No primeiro semestre de 2014, foram 769 de roubos a ônibus em Salvador. Este ano, com os 1.309 casos, o aumento foi de 70%.
No entanto, Araújo explica que no ano passado só entrava na estatística quando motorista ou cobrador faziam a ocorrência. A partir de 2015, passou-se a considerar também as queixas prestadas por passageiros, com o número da linha e de ordem do ônibus, para que a polícia possa checar se o crime, de fato, ocorreu.
Projeto de lei
Um projeto de lei do deputado estadual Marcelino Galo (PT) propõe o bloqueio imediato do celular roubado. O projeto obriga a inclusão, nos registros de ocorrências, do respectivo número de IMEI para que a polícia comunique imediatamente às operadoras de telefonia celular, por meio eletrônico, e estas procedam o bloqueio do aparelho.
“As operadoras de telefonia terão 12 horas para bloquear após aviso da polícia”, afirma. Atualmente, para que o aparelho seja bloqueado, as pessoas têm que ligar para as operadoras após registrarem a ocorrência.
Fonte: A Tarde Online
Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE